Monday, October 30, 2006

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre

Manuel Bandeira

Thursday, October 26, 2006

Último Soneto

Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!... Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

(Álvares de Azevedo)

Wednesday, October 18, 2006

Eu

Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me -Pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca
Alguns fragmentos da melhor poetisa de todos os tempos: Florbela Espanca.

...Talvez um dia entenda o teu mistério
-Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
(Mistério)

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento! ..."
(A vida)

..."Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto! ...."
( A morte)


"...Toda a noite choraste...e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh`alma
Que chorasse perdida em tua voz!... "
(Alma Perdida)

..."E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
(Amar)

..."Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão docee tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
(Canção grata)


Cantigas Leva-as o Vento...

A lembrança dos teus beijos
Inda na minh'alma existe,
Como um perfume perdido,
Nas folhas dum livro triste
.
Perfume tão esquisito
E de tal suavidade,
Que mesmo desapar'cido
Revive numa saudade!

Sunday, October 01, 2006

Você

"Você que tanto tempo faz
Você que eu não conheço mais
Você que um dia eu amei demais
Você que ontem me sufocou,
De amor e de felicidade
Hoje me sufoca de saudade
Você que já não diz pra mim
As coisas que eu preciso ouvir
Você que até hoje eu não esqueci
Você que eu tento enganar
Dizendo que tudo passou
Na realidade é que em mim você ficou
Você que eu não encontro mais
Os beijos que já não lhe dou
Fui tanto pra você e hoje nada sou..."

Roberto Carlos